Reflexões, Trends

Um resistente é um amigo

Todos resistimos à mudança… porque somos inteligentes

Comecei a escrever este post no primeiro Dia do Pai em que não tenho o meu pai comigo. Esta é uma das muitas mudanças que tenho vivido nos últimos anos, mas é a única que, não querendo que acontecesse, sei que não vale a pena resistir-lhe.

A resistência à mudança é muito mal amada nos dias que correm, especialmente nas organizações, que têm de lidar com a mesma todos os dias a uma velocidade alucinante. Quem faz perguntas difíceis ou quem contesta o caminho é chamado de “resistente” e esse rótulo tem muito frequentemente uma conotação negativa. Esta conotação, costumo eu dizer, é produto de um raciocínio de gestão profundamente preguiçoso…

E isto porquê? Porque resistir à mudança no sentido de questionar o porquê da mudança e no sentido de discutir porque vamos numa direção e não noutra é tipicamente um ato de inteligência humana. Todos os seres humanos, enquanto seres inteligentes seguem um racional económico na hora de fazer opções, ou seja, fazem uma análise comparativa das diversas opções ou alternativas que têm e fazem sempre um balanço entre os potenciais ganhos e as potenciais perdas, tendendo a escolher a opção que maximiza os ganhos e minimiza as perdas.

Todos fazemos isto porque somos inteligentes. E perante uma mudança, é natural que nos questionemos “mudar porquê?” ou “vale a pena mudar?”. Fazer perguntas difíceis é um privilégio dos mais experientes e mais sábios. Se tivermos vinte e poucos anos, acabadinhos de sair da universidade e a entrar no mercado de trabalho, é natural que abracemos qualquer mudança com entusiasmo e menos questões, uma vez que não temos “história para trás”, ou seja, experiência prévia. Só quando vivemos as peripécias da dura realidade do mundo do trabalho é que começamos a ganhar espírito crítico aplicado às vicissitudes organizacionais.

E por isso ter experiência profissional desde cedo é um ativo muito valioso para qualquer jovem. A minha enteada, que começou a trabalhar no segundo ano da universidade, tem um espírito crítico e uma capacidade de questionar o que lhe apresentam que fazem dela um ser humano mais observador, acutilante e profissionalmente versátil. Ao pé dela, os seus colegas de curso que não trabalham são um grupo de jovens embaraçosamente “atados”, embora intelectualmente dotados. Porque o pensamento crítico, a capacidade de resolução de problemas e a resiliência são fruto de uma maturidade que só vem com a experiência.

Bem, após este longo parêntesis para elogiar a minha enteada, voltemos ao cerne da questão: quando ouvimos dizer que os mais velhos são resistentes à mudança e a isso associamos uma conotação negativa, a verdade é que estamos perante um viés cognitivo, uma vez que associamos o grau de resistência à idade (o que não é verdade, pois na melhor das hipóteses um maior nível de exigência no questionamento da mudança pode estar associado à experiência), e também porque associamos a ideia do resistente a alguém que “não colabora”. E a verdade é que questionar não é um ato de sabotagem, mas sim uma manifestação de interesse!

Quem resiste interessa-se

Costumo fazer a analogia com aquilo que ensino a tantas equipas comerciais: um cliente que reclama é um amigo! E porquê? Porque alguém que se dá ao trabalho de reclamar é alguém que está interessado em que melhoremos. É alguém que não desistiu de nós, ou que, à beira de desistir, lança um pedido de ajuda (a reclamação), de forma a que lhe demos uma razão para não desistir de nós. É alguém que nos dá feedback sobre o que está mal e se interessa o suficiente para estar incomodado por não fazermos melhor. E isto é uma das muitas coisas que os amigos fazem por nós…

Logo, um colaborador que questiona a mudança, que reclama porque não entende os seus benefícios, também é um amigo. Um colaborador que questiona e discute o porquê da mudança é alguém que se preocupa com a organização, que se interessa, que fica incomodado se sentir que a organização pode não estar a ir por bom caminho ou está apenas a desperdiçar tempo e energia para ficar tudo na mesma. O resistente interessa-se, logo não é um alvo a abater, um incómodo ou um estorvo.

Um resistente é, por definição, um “grilo falante” da mudança e um potencial “campeão” dessa mesma mudança. Sim, ele não compra a mudança barata, mas quando a compra, é um dos mais entusiásticos agentes da mudança. E quantas vezes eu vi isto acontecer nos últimos 35 anos da minha vida profissional…

Tudo começa com a compreensão do porquê da mudança. Explicar porque a mudança acontece e o que ganhamos com isso, de forma transparente e verdadeira, não omitindo o que possam ser as dificuldades que enfrentaremos quando a mudança começar a acontecer são o primeiro passo para transformar um resistente num campeão da mudança. Costumo dizer que um resistente é um interessado com pouca informação. Quando entende o porquê das coisas, e se elas fizerem de facto sentido, tende a tornar-se num entusiasta.

A primeira ferramenta para facilitar a mudança

Comunicar é pois a palavra chave, o que implica aquilo a que eu chamo a tríade sagrada da comunicação da mudança: os três F!!! E o que são estes três F? Passo a explicar:

  • Formação – quando falamos em explicar o porquê da mudança, não podemos ficar-nos por informar. Passar a informação é importante, mas não é suficiente. Os colaboradores são quem vai fazer a mudança acontecer, o que significa que eles têm de ter as capacidades necessárias para efetuar a mudança. Portanto falamos de informar mas também de capacitar. Por isso é mais claro e abrangente falarmos de formar, o primeiro F desta tríade sagrada;
  • Feedback – a mudança acontece num contínuo temporal, o que significa que não basta explicar mudança no início. Mudar implica esforço e mudança de hábitos, o que requer que alimentemos a motivação e o incentivo para as pessoas se manterem no caminho da mudança. Por isso mesmo, dar feedback sobre como está a mudança a acontecer, quais os progressos, quais as dificuldades e contratempos é uma forma de manter os colaboradores envolvidos. Por isso o segundo F desta tríade;
  • Festa – a vontade de cada um de nós manter o esforço que a mudança implica tende a ser reforçada quando celebramos as pequenas conquistas, os progressos diários mas também os grandes ganhos. Celebrar o que conseguimos com a mudança é algo que deve ser sempre feito, e nunca de forma envergonhada. Os ganhos da mudança devem ser motivo de orgulho, e por isso mesmo, de festa. O terceiro F da tríade sagrada…

Quando alimentamos o conhecimento dos colaboradores através do triplo F, estamos a dar-lhes algo que em Psicologia chamamos de “sense of Progress” (soP). O sentido de progresso é uma das necessidades primordiais de qualquer ser humano. Todos nós precisamos de sentir que estamos a ir para algum lado significativo e que estamos a evoluir, pelo que alimentar este sentido de progresso é uma das formas de alimentar a energia vital de nos motiva a agir e que nos entusiasma.

Nem só de resistentes e campeões é feita a mudança

Começámos por falar dos resistentes e da sua jornada de transformação para se tornarem em campeões da mudança. Um resistente, como vimos, não é uma ameaça, mas sim uma oportunidade. Mas o verdadeiro problema não reside nos que se interessam: reside, isso sim, nos que não se interessam.

Os colaboradores que não estão comprometidos com a organização, a quem é indiferente se a organização prospera ou não, esses são o verdadeiro problema. São aqueles com vínculos fracos, ou mesmo com o contrato psicológico comprometido: aqueles a quem eu chamo os MINSD (os que andam a fazer o Mínimo Indispensável para Não Serem Despedidos). Para mais detalhes sobre o que é um estado MINSD sugiro de um post meu de há uns anos: PPE: Potencial Por Explorar ou como evitar o “efeito MINSD”.

Quantos temos colaboradores desinteressados, eles podem classificar-se em duas categorias:

  • Desligados – aqueles que não se interessam e têm pouco conhecimento sobre a mudança. Não se interessam, não se envolvem e passam a vida a dizer mal da mudança e de quem a protagoniza, invocando aquilo a que eu chamo o síndroma do “not invented here…”, que se pode detetar quando ouvimos comentários deste género: “vieram para aqui estes tipos de fato e gravata da consultora X, fizeram um powerpoint todo bonito e agora propuseram este bacalhau com asas sem falar com quem trabalha com isto todos os dias… um desperdício de dinheiro, é o que é!!!”. E a dura verdade é que em muitos casos o comentário tem a sua razão de ser… e pode ser a explicação para a falta de interesse de alguns colaboradores;
  • Seguidores – aqueles que não se interessam e já têm conhecimento sobre a mudança são aqueles que não aderem à mudança e limitam-se a serem seguidores passivos. Quanto maior o seu conhecimento mais opinam, mas pouco se empenham em fazer a mudança acontecer, porque não a sentem sua. Também eles vítimas do “s.N.I.H” (síndroma do “not invented here…”), tenderão ser os chamados “treinadores de bancada” que alimentam os circuitos informais da organização (comummente conhecidos como “radio-alcatifa”) com uma narrativa de desencorajamento da mudança.

Tendo identificados os quatro posicionamentos possíveis face à mudança, resta perceber como trazemos os desinteressados para o processo, fazendo deles entusiastas…

Ninguém se interessa se não for chamado a participar…

Costumo explicar nas minhas aulas que os seres humanos tendem a não rejeitar o que, no todo ou em parte, foi por si produzido. A verdade é que todos desenvolvemos laços afetivos com as nossas produções, as nossas criações. A isto chamo eu o P.P.P. – Princípio da Paternidade da Produção, que explica porque é que uma gestão participativa leva tendencialmente a um nível de engagement superior dos colaboradores.

Quando pedimos o contributo dos membros das nossas equipas sobre como pode ser desenhada a mudança, ou então sobre como podemos implementar a mudança, estamos a dar na possibilidade de cada um poder participar no processo, dando a sua “pincelada” na mudança. E mesmo que não possamos adotar todas as sugestões da equipa, a verdade é que o facto de terem tido o espaço para serem ouvidos os levou a apropriarem-se do processo. A mudança passou a ser um pedacinho deles, em vez de ser a “mudança daqueles tipos”. E por isso podemos dizer que a adesão implica participação.

Só com a participação conseguimos alimentar mais uma vez duas necessidades primordiais da natureza humana: relevância e visibilidade. Todos os seres humanos precisam de sentir que de alguma forma fazem a diferença e que por isso são apreciados pelos outros (porque todos somos seres sociais). E com isto envolvemo-nos e entusiasmamo-nos: ou seja, ficamos verdadeiramente comprometidos.

Quando fazemos isto alimentamos aquilo que em Psicologia chamamos o “sense of Control” (soC), ou seja o sentido de controlo dos acontecimentos, porque sentimos que de algum modo os influenciamos, fazendo aquilo que está ao nosso alcance para fazer a diferença.

E com estas duas ferramentas (comunicação com triplo F e gestão participativa) ficamos com a nossa mochila apetrechada das ferramentas necessárias para lidar com a mudança. Não desdenhemos os resistentes, porque eles são nossos amigos e podemos fazer deles campeões. Não tenhamos vergonha de resistir à mudança (é normal, é sinal de inteligência e é sinal de que queremos participar). Transformemos esse questionamento em informação e procuremos fazer a diferença com o nosso contributo.

Sugiro, em complemento a este post, um artigo por mim escrito há uns anos na revista Prémio – Gestão da Mudança, bem como um artigo muito interessante da Harvard Business Review – Change Is Hard. Here’s How to Make It Less Painful.

Termino este texto quando faz exatamente seis meses que o meu pai me deixou. Curiosamente, ele não está cá mas continua sempre comigo. Eis uma mudança a que ele resiste, e que eu agradeço todos os dias. És um resistente, meu pai. E seguramente o meu melhor amigo. Sempre.

Trends

Os pais são para sempre

Os pais são para sempre. Eis uma frase que só comecei a entender quando fui pela primeira vez chamado a assumir essa condição única e transformadora a que se chama “paternidade”. E que só entendi em pleno há pouco tempo.

Uma amiga minha costumava dizer que só há duas pessoas no mundo: os que têm filhos e os que não têm filhos. Uma frase que só entendemos em pleno depois de termos os nossos filhos, sejam eles de sangue, adoptados ou mesmo escolhidos (sim, enteados ou sobrinhos ou afilhados também podem ser nossos filhos por escolha, como os adoptados ou os de sangue). Quando temos à nossa responsabilidade aqueles pequenos (ou não tão pequenos) seres humanos, umas vezes carinhosos outras vezes apenas armados em parvos, a verdade é que nós passamos a ser deles e eles passam a ser nossos.

A paternidade muda a nossa vida para sempre. Deixamos de ser o centro do mundo para passarmos a viver num mundo com várias centros. Cada filho é um centro. Por eles daríamos a vida. Por eles e com eles tornamo-nos melhores seres humanos. Não há maior suplemento de humanidade do que ser pai.

Ser pai é um acto de atenção permanente, de entrega, mas também de firmeza e de integridade. Não há melhor compasso moral do que, quando não sabemos se vamos fazer a coisa certa, perguntarmos a nós próprios: “se eu contasse isto aos meus filhos sentir-me-ia bem, tranquilo, em paz?” … e se a resposta for não, teremos ultrapassado a tantas vezes ténue fronteira do que está certo, daquilo que é moralmente o legado que lhes queremos deixar.

Os pais são para sempre porque ao transformarem-se com a paternidade também nos transformam, com o seu exemplo, com os seus ensinamentos, com o seu carinho e com o seu amor. Ser pai é cuidar, é ensinar, é estar lá para os filhos sem deixar que eles se sintam assoberbados com a nossa presença. É simplesmente estar lá, mas deixando os filhos voar.

Tive a sorte de ter um pai assim, que me ensinou a ser quem eu sou hoje. Foi com ele que aprendi os valores fundamentais da justiça, da família, do amor e da verdade. Foi com o exemplo dele que aprendi a revoltar-me com as injustiças, a intervir sempre que presenciava algo errado ou injusto. Porque os nossos pequenos gestos podem fazer (e fazem) a diferença.

Foi com ele que aprendi que aquilo que nos define não são as palavras que dizemos, as nossas origens ou as nossas intenções. Aquilo que nos define enquanto indivíduos, enquanto seres humanos, são os nossos actos e os nossos gestos. Um pequeno gesto define quem somos e pode mudar a nossa vida para sempre. Foi ele que me ensinou isso.

Foi com ele que aprendi que a nossa família é a nossa tribo, aqueles que nos amam incondicionalmente apesar dos nossos muitos defeitos. E foi também com ele que aprendi que a nossa família é composta por aqueles que escolhemos e que nos escolhem, e não por aqueles que nos calham em sorte na lotaria genética. E é por isso que tanto podemos acolher de braços abertos novos membros da família como podemos deixar outros partir. Esses que partem não os esquecemos, apenas não os deixamos aproximarem-se para sugarem a nossa boa energia.

Este mesmo princípio se aplica com os amigos, uma parte especial deste conceito alargado de família, como o meu pai me mostrou a vida toda. Porque aquilo que nos define são os nossos actos e as nossas escolhas.

Foi com ele que aprendi que o amor pleno é possível. Foi o exemplo dele com a minha mãe que me inspirou a vida toda e me levou a procurar esse mesmo tipo de amor, até finalmente encontrar o amor da minha vida. Também por isso, obrigado Pai.

E foi com ele que aprendi que a verdade é a cola que une tudo isto. Sem autenticidade, sem verdade e genuinidade, não há justiça, família ou amor que prevaleçam. O seu riso contagiante era um exemplo dessa mesma genuinidade. As suas frases inesperadas e desconcertantes, com uma partilha ou uma opinião absolutamente inesperadas, eram gotas frequentes desse mesmo oceano de verdade que o caracterizava.

Generatividade era, a par da sua alegria, uma das suas marcas. Querer cuidar dos outros, bem como deixar-lhes um legado, eram marcas suas. Desde pequenos apontamentos, como avisar-me sempre que a hora mudava, sempre que estava na hora de pagar o condomínio ou sempre que era altura de dar os parabéns a um familiar, a gestos de maior desprendimento e dedicação como ajudar na mudança da minha casa com pequenos trabalhos de bricolage feitos com enorme entusiasmo, mesmo já octogenário.

A criteriosa biblioteca que colecionou para deixar aos filhos, o relato da sua vida escrito pacientemente no seu computador, ou os sensatos conselhos que continuava a dar-nos, são outros exemplos do legado que nos quis deixar (e deixou).

Ser pai é estar presente. Como ele sempre esteve. Sem impor a sua presença, mas estando lá para nós e apreciando o convívio connosco. Era fabuloso ouvir as suas gargalhadas enquanto nos ganhava invariavelmente nos jogos de cartas. Inesquecível o seu brilho nos olhos quando, aos 84 anos, foi connosco aos Açores e, com isso, andou de avião pela primeira vez na vida. Enternecedor o seu entusiasmo juvenil quando preparou a mala para essa viagem com três meses de antecedência.

Partiste faz hoje um mês, Pai. Partiste em paz, após uma vida bem vivida. Sei-o porque estava lá e nunca esquecerei o teu olhar na partida. Um olhar pleno de serenidade e amor. Fazes-me falta. Mas porque ser pai é estar presente, sei que estás sempre comigo.

E por isso hoje compreendo plenamente.

Os pais são para sempre.

Até já, Pai Costa!

Trends

Liderar remotamente: mitos e realidades

Tempos inimagináveis de medo e de incerteza

Vivemos há mais de um ano numa espécie de vida entre parêntesis, em que muitos dos nossos hábitos e rituais, que determinam a nossa cultura e identidade, tiveram de ser substituídos à força por outros hábitos e rituais, estranhos e despersonalizados, em que o toque humano foi obliterado da nossa vida por imperativos de sobrevivência.

Olhamos para as notícias e deparamo-nos com cenários que evoluem de dia para dia, muitas vezes de forma inesperada e a uma velocidade antes inimaginável. Sentimos que vivemos rodeados de incerteza, de ambiguidade e de perigo, um perigo invisível que nos tolhe na nossa humanidade nos mais pequenos gestos. O medo passou a fazer parte do nosso quotidiano.

Estamos carentes de calor humano, e damos por nós a perder a memória de como ele se dá aos outros num quotidiano descontraído… interrogamo-nos por vezes se iremos alguma vez voltar a abraçar alguém sem medo. A falta de calor humano enche-nos de angústia.

E é neste quadro que muitas vezes ouço dizer o quão difícil é liderar nestes tempos, em que as pessoas e as equipas estão na sua grande maioria a trabalhar remotamente. “Como posso motivar pessoas à distância?”, perguntam-me… “Como posso garantir que são produtivos se estão longe de mim?”, outra pergunta que frequentemente me fazem. “Tenho de aguentar e esperar que a pandemia passe para ser o líder que gostava de ser…”, desabafam.

Apesar de ser uma constatação corrente, gostaria de partilhar convosco a minha experiência nesta área. E permitam-me começar por vos dizer que discordo totalmente deste “baixar de braços” face às adversidades que vivemos.

It’s about people, not presence

Boa parte destas dúvidas é perfeitamente razoável, mas parte de uma premissa a meu entender errada.

A produtividade e a motivação não têm a ver com a presença física, mas sim com a proximidade, que são coisas completamente diferentes. É muito curioso constatar que antes da pandemia muitos líderes a quem eu faço coaching costumavam dizer-me que não tinham tempo para serem melhores líderes. “Eu gostava muito de aperfeiçoar a minha liderança junto das minhas pessoas, mas tenho tanta coisa para fazer que nunca tenho tempo para o fazer… quando as coisas acalmarem vou melhorar a minha liderança!”, ouvi eu vezes sem conta…

Ora bem, este desabafo tão comum em líderes muito bem intencionados, mais não era que um equívoco gerado por aquilo a que eu chamo a ilusão da conveniência. E no que consiste a ilusão da conveniência? No efeito procrastinador resultante de darmos as pessoas e a sua presença física como um dado adquirido. É tão conveniente que nos relaxa inadvertidamente!

Eu preciso de dar feedback ao meu melhor vendedor, e tenciono fazê-lo já na segunda-feira de manhã… mas chego ao fim do dia nessa segunda-feira e tive tantas reuniões e calls e interrupções para gerir que acabei por não ter tempo de o chamar à parte e conversar com ele… agora já não tenho energia e acabo por deixar para amanhã (afinal ele está aqui mesmo “à mão”). E terça-feira começo o dia com a intenção de conversar com ele e a história repete-se, indefinidamente.

O facto de ter os colaboradores no mesmo espaço físico que eu cria-me a ilusão de que será mais fácil desenvolver uma liderança próxima, mas a verdade é que a questão não tem a ver com a presença física, mas sim com a minha determinação em estar próximo, mesmo que à distância… Confusos? Passo a explicar já a seguir…

Muitos dos líderes que se queixavam que não tinham tempo para fazer uma liderança próxima por falta de tempo, deram por si, de forma intuitiva, a desenvolver em tempos de pandemia uma liderança muito mais próxima, por muito paradoxal que isto pareça… o que se passou? Simples, as pessoas deixaram de ser algo que estava convenientemente “à mão” para passarem a ser algo que eu tenho de gerir à distância de uma webcam, um microfone e um teclado, ou mesmo de um smartphone. E o que parecia abundante e conveniente passou a ser escasso e aparentemente mais difícil de aceder.

Essa perceção de que tinham perdido a proximidade às pessoas levou a que procurassem compensar de alguma forma essa perda com um estreitar dos ciclos de acompanhamento e orientação. Subitamente, líderes que iam liderando a equipa através de interações casuais e não programadas, por vezes a ciclos longos e irregulares, deram por si a sentir a necessidade de desenvolver rituais de partilha e pontos de situação a ciclo curto e regular (uns semanalmente, outros até diariamente). E desta forma, líderes que antes não tinham tempo para acompanhar as suas equipas, deram por si a ter tempo para o fazer.

Foi o tempo que mudou? Não. Foram as suas cabeças. E a prioridade que a gestão das pessoas tinha no fluxo de trabalho quotidiano. A interação humana passou a ser um parente rico da gestão.

Ainda assim há preocupações que fazem sentido e outras não. Vejamos então cada uma delas…

Não tem a ver com presença, mas sim com energia

Liderar remotamente não é mais difícil por ser mais difícil motivar pessoas à distância. Isto é uma falsa questão. Quem tinha dificuldades em motivar pessoas presencialmente continuará a ter essa dificuldade remotamente e quem as motivava de forma poderosa presencialmente continuou a fazê-lo à distância. Porque motivar tem a ver com ativar a energia de cada um através de um propósito inspirador, uma visão de futuro mobilizadora, objetivos poderosos, uma distribuição de trabalho aproveitando os talentos de cada um e o dar feedback de qualidade. E tudo isso pode ser feito presencialmente ou à distância.

Liderar remotamente não é mais difícil por ser mais complicado garantir que as pessoas são produtivas à distância. Mais uma vez essa é uma falsa questão, gerada pelo síndroma do presenteísmo. Sobre este fenómeno falei no meu último post “Aprendizagens em tempos inimagináveis”, recordando que temos de passar do paradigma tradicional da supervisão e controlo para o novo paradigma da liberdade e da responsabilização. Temos de passar a liderar estabelecendo metas e entregáveis e pedindo contas pelos resultados, pela qualidade dos mesmos e pelo cumprimento dos prazos, e não tanto verificando onde e quando o trabalho foi feito. Se dermos essa flexibilidade aos nossos colaboradores, eles tenderão a retribuir com mais disponibilidade e dedicação.

Não tem pois a ver com presença, mas sim com energia! Que energia é que transmitimos à equipa?

Então porque é que liderar remotamente é mais difícil (porque de facto parece ser, não é?)? Porque não basta ter uma liderança mais próxima, com momentos de partilha e de ponto de situação a ciclo mais curto. Também o conteúdo dessa partilha tem de ser ajustado.

Porquê? Porque nos falta hoje em dia a “dimensão humana” das interações informais no trabalho. Hoje, sem darmos por isso, estamos permanentemente em reuniões de trabalho, seja por Zoom, por Teams, por Skype, por Webex ou por qualquer outra plataforma. Imaginem o que seria a nossa vida antes da pandemia se estivéssemos sempre em reunião, sem conseguir sair da sala… infernal, não seria?

E seria infernal porque não teríamos tempo para aquela pequena conversa no corredor com o colega com quem precisávamos de “trocar umas ideias”, ou para aquela conversa tonta sobre banalidades da vida naquele café descontraído na copa, ou mesmo para aquele pequeno gesto de incentivo quando nos cruzávamos com um colega mais tristonho.

Foi isso que perdemos. Essa “cola emocional” que nos alimenta de energia e nos mantém juntos, para além das interações formais de trabalho. E sim, são esses momentos que temos de alguma forma de garantir que continuam a acontecer mesmo à distância.

Por isso mesmo vi alguns líderes a ter ideias originais para promover esses momentos, como por exemplo os “Happy 5 Minutes”, um ritual em que os primeiros 5 minutos de qualquer reunião são dedicados a contar um episódio pessoal engraçado ou uma curiosidade sobre algum dos participantes da reunião.

Uma forma de resgatar a nossa humanidade, de nos fazer sorrir, mesmo à distância.

Liderar à distância é afinal mais difícil? Muitas vezes parece, mas se calhar não é. É apenas diferente…

Deixo-vos por fim um pequeno vídeo com 5 conselhos sobre como gerir equipas remotamente. Enjoy it!

Trends

Aprendizagens em tempos inimagináveis

Uma reflexão em jeito de balanço

Após mais de dois meses de confinamento, finalmente resolvi escrever, quebrando o natural silêncio que me acompanhou neste período de reflexão forçada. O facto de termos vivido (e ainda estarmos a viver) tempos inimagináveis, com impactos cuja magnitude global não têm precedente, levaram a que fôssemos forçados a fazer uma pausa, que cada um de nós aproveitou da forma que melhor pôde e soube.

Dei por mim a observar com atenção e muitas vezes espanto, o conjunto de fenómenos que se desenrolaram, seja em contextos pessoais, seja em contextos sociais, seja em contextos organizacionais. E aquilo a que assisti, no meio desta enorme tragédia, não deixa de me deixar globalmente otimista.

Todos tivemos de passar por enormes aprendizagens, num esforço de adaptação sem precedentes. No geral, penso que poderei dizer com alguma segurança, que estivemos bem. Partilho assim convosco esta reflexão que tive oportunidade de fazer.

Do medo e do distanciamento à humanização reinventada

Todos nós teremos passado de alguma forma por diversas fases de reação à pandemia e ao confinamento. Eu próprio dei por mim a viver essas diferentes fases:

  1. Negação – numa primeira fase não queríamos acreditar que isto estava a acontecer, ou estando, não quisemos crer que seria tão grave ou que nos afetaria de forma tão profunda. Eu próprio dei por mim a tentar convencer-me de que tudo não passava de um exagero, e que não teria mais consequências do que tinha tido a Gripe A;
  2. O choque de realidade – com o encerramento das escolas, o confinamento e o Estado de Emergência, de repente não deu mais para negar. A situação era grave e era preciso lidar com ela de forma firme e determinada. era preciso assumir uma nova forma de estar, a que não estávamos habituados: o distanciamento social e, em muitos casos, a solidão. Estabeleceu-se nesta altura o sentido de urgência. Destaco nesta fase o trabalho extraordinário que muitos profissionais de recursos humanos fizeram, de forma a garantir que a economia poderia continuar a funcionar, se bem que em moldes que tiveram de ser reinventados a enorme velocidade. Eles também foram e são heróis da nossa sociedade, tendo evitado um desastre absoluto em termos de economia e mercado de trabalho. Também todos os profissionais de IT envolvidos na reconversão de métodos de trabalho com recurso a tecnologia merecem destaque, pela velocidade com que ajudaram a que pudéssemos, finalmente, explorar todas as potencialidades das ferramentas fantásticas que nos permitiram trabalhar à distância. Também eles foram heróis. E dos próximos heróis falo na fase seguinte;
  3. Da potencial depressão ou burnout à reinvenção do trabalho – no primeiro domingo  de confinamento dei por mim à beira de um estado depressivo. O sentimento de solidão era avassalador, a incerteza era pesadíssima, a inanição dominava-me. Para mim, que vivo e respiro o contacto humano, estar fechado dentro de quatro paredes era a pior tortura a que podia estar sujeito. Felizmente, como a grande maioria de nós, acabei por encontrar forma de reagir e de me reinventar. Desde a adoção de novas rotinas (e como as rotinas são importantes para não perdermos o norte e para nos mantermos produtivos), à possibilidade de trabalhar de forma mais produtiva e focada (aqui uma palavra a todos os pais que tiveram de gerir heroicamente a rotina dos filhos e a sua própria de forma tão exigente e coordenada), à descoberta do valor de fazer pausas, de refletir e de reapreciar gestos humanos tão simples, que só são valorizados quando somos privados daquilo que damos por adquirido. Disso falo na fase seguinte. Mas não queria deixar de destacar a verdadeira revolução que consistiu a descoberta de que podemos aprender a fazer tantas coisas de forma nova e diferente, quando somos forçados a sair da nossa zona de conforto. Nunca me imaginei a dar aulas online, a fazer reuniões com clientes à distância com tanta naturalidade e facilidade, ou a aprender por mim as mais variadas temáticas que me interessam;
  4. Do potencial alienamento ao reforçar dos laços – quando somos privados do que damos como certo, passamos a atribuir-lhe um valor maior. Passamos a dar atenção aquilo que tínhamos e que de alguma forma deixámos de ter. Eu, que andava sempre tão ocupado e sem tempo para falar ou estar com a minha família, mas sempre com o pensamento reconfortante de que, quando quisesse, o poderia fazer, dei por mim a constatar coisas surpreendentes nesta fase de confinamento… Nunca falei tanto com a minha família como nestes dois meses. O facto de não podermos estar juntos uma vez de vez em quando nas reuniões e festas familiares, levou a que passássemos a estar juntos todos os dias, seja através de WhatsApp, seja através de Zoom, seja através de HouseParty, seja através de Skype. Passámos todos a preocupar-nos mais uns com os outros, a querer saber uns dos outros e a partilhar infinitamente mais. Mas o mais interessante deste fenómeno de re-humanização é que não se limitou ao nosso círculo de familiares e amigos próximos (onde os laços são tipicamente fortes). A verdade é que isso aconteceu entre vizinhos, membros da mesma comunidade ou mesmo entre estranhos. A adversidade despertou o espírito de entreajuda, e o que antes nos separava deixou de ter importância face ao que urgia garantir: a solidariedade e o bem comum. E assisti e vivi inúmeros casos tocantes que o ilustraram. Mesmo que não tenha sido um fenómeno que tocou todos (nunca tocará todos, mas não deixou de lançar sementes, que estou certo que germinarão). E nesta onda de re-humanização, todos nós fomos heróis;

O trabalho reinventado: surpresas e perplexidades

A necessidade de se reinventar a forma de trabalhar veio curiosamente acelerar muitas das tendências de futuro das quais eu vinha a falar há mais de uma década nas muitas conferências que fiz sobre o tema. Por vezes, é necessário um evento desta magnitude para fazer acontecer o que, de outra forma, levaria gerações a mudar…

  1. O fim do presenteísmo e o primado da liberdade e responsabilidade – durante muitos anos, falei de como o presenteísmo era um fenómeno perfeitamente absurdo, que revelava resquícios de mentalidade do século XIX nos gestores do século XXI. O maior obstáculo à generalização do teletrabalho nunca foi a tecnologia (ela existe há anos!), mas sim a mentalidade de muitos gestores, que sempre sentiram necessidade de manter o controlo sobre o trabalho dos outros, vendo o que faziam e mantendo-os por perto. Ora isto em muitas atividades (especialmente do setor terciário) não faz sentido algum! O impacto ecológico de milhões de pessoas acordarem todas à mesma hora, gastarem horas numa fila de trânsito (com consequente perda de tempo e a monumental pegada carbónica implicada), para entrarem todas à mesma hora num edifício de escritórios numa grande metrópole, para estarem todos juntos a fazer coisas que, em 90%  dos casos, não requer que estejam todos juntos, era a maior insanidade do ponto de vista da organização do trabalho… e tudo isto para quê? Meramente para conforto psicológico de gestores que não acreditavam que, se dessem a liberdade e a responsabilidade às pessoas para gerirem o seu trabalho por resultados (mesmo que à distância), as coisas poderiam funcionar. Foi preciso uma pandemia desta magnitude para evidenciar o óbvio: é possível ser-se tão ou mais produtivo trabalhando remotamente. Com menos custos ambientais, com mais qualidade de vida, com menos stress e com menos custos para as próprias empresas, que subitamente percebem que não têm necessariamente de pagar rendas exorbitantes por escritórios gigantescos no centro da cidade;
  2. Da produtividade saudável à armadilha da ubiquidade – quando um evento desta magnitude nos obriga a mudar hábitos, rotinas e formas de trabalhar, descobrimos que podemos ser muito mais produtivos e de forma mais saudável. Quando eliminamos os tempos de deslocação para o local de trabalho, podemos começar a trabalhar mais cedo, podemos controlar e ajustar os nossos ritmos de trabalho e fazer pausas, permitindo ao nosso corpo e ao nosso cérebro produzirem em melhor forma. Podemos ganhar mais horas de sono e até arranjar tempo para fazer exercício (eu, que me limitei durante anos a pagar a mensalidade do ginásio sem lá meter os pés, passei a fazer exercício todos os dias, com benefícios óbvios para a minha saúde física e mental). Mas tudo isto pode ser comprometido se não tivermos disciplina e se não disciplinarmos os outros. O facto de estarmos permanentemente ligados e disponíveis pode levar à armadilha da ubiquidade, ou seja, à situação em que todos acham que podem dispor de nós quando quiserem e podem exigir que “estejamos lá”, de forma virtual, a qualquer dia ou a qualquer hora. Os pedidos de resposta imediata, sem considerar o “pipeline” de trabalho dos outros, pode ser avassalador, se não estabelecermos limites. Cheguei a assistir a várias situações de pessoas à beira do “burnout” porque passaram a ter de fazer jornadas de 14 ou mais horas de trabalho, porque todos lhes pediam tudo “para ontem”. Cheguei a assistir à insanidade de profissionais que tinham de estar em 3 “calls” em simultâneo, porque quem as marcava não verificava se havia sobreposições de reuniões virtuais e quem era convocado não era capaz de dizer “não”. Cheguei a assistir a situações verdadeiramente obscenas de gestores a convocar reuniões com a sua equipa para as 22h00, como se não houvesse vida familiar ou horários de trabalho. A tudo isto temos de aprender a dizer “basta”, de forma educada e pedagógica. E isto tanto vale para liderados como para líderes. Quantas vezes tive de dizer a colaboradores que me enviavam mensagens à uma da madrugada para irem dar atenção a quem tinham em casa, só respondendo no dia seguinte…
  3. O primado dos agentes livres – sobre isto já tinha falado anteriormente, no meu post “”A busca de propósito num mercado de agentes livres“, sendo que agora o que era uma tendência passou a ser uma realidade para muitos de nós. Este momento disruptivo permitiu a muitos profissionais (especialmente os mais qualificados) o tomar o gosto pela liberdade de gerirem a sua própria vida, de (re)lançarem os seus negócios, de serem donos do seu tempo, de se libertarem das amarras da vida corporativa tradicional. Muitos expressarão isto através da sua resistência em voltar a trabalhar num escritório, mesmo mantendo os vínculos tradicionais – sobre este tópico destaco o interessante artigo da HBR “How to Manage an Employee Who’s Struggling to Perform Remotely“. Outros, como eu, levarão a ruptura mais além. Este momento levou-me a repensar a minha vida de tal forma que abandonei o mundo corporativo tradicional, voltei a ser um empresário que gere a sua própria firma de consultoria e actua como consultor independente de várias corporações. Também serviu para me focar e dedicar à minha outra profissão: ser professor universitário, contribuindo para a criação e disseminação de conhecimento. E por fim, ter tempo para ser também jornalista, liderando uma das mais reputadas revistas de recursos humanos do país. Nunca fui tão livre, feliz e realizado…
  4. A emergência de um “growth mindset” – num mundo em que trabalharemos cada vez mais em equipa, em formatos mistos (presencial/distância), a partilha de conhecimento continua a ser crítica, mas a aprendizagem vai depender cada vez mais da nossa forma proativa de aprendermos por nós, buscando conhecimento e educação à distância de um clique. Essa tendência tende a tornar-se irreversível, pela verdadeira explosão da oferta de webinars, de formação online de todo o tipo de instituições, começando pelas mais reputadas “business schools”. Cada vez mais não haverá tempo ou espaço para o formato de transferência tradicional de conhecimento, de um professor ou colega mais sénior para um aluno, aprendiz ou colega mais júnior. A velocidade com que temos de colaborar vai exigir profissionais cada vez mais produtivos e sedentos de aprender. Esses são os que vão prevalecer nesta época pós-pandémica;
  5. Novas formas de gerir pessoas e de estabelecer laços – coisas tão “normais” como receber um novo membro na organização ou na equipa, dar feedback ou fazer uma avaliação de desempenho, tipicamente feitas apenas “face to face”, vão passar a ser feitas remotamente e encaradas como algo perfeitamente normal. A partir do momento em que podemos interagir por vídeo, a distância física perde relevância e a riqueza da comunicação não verbal é ainda assim preservada. Os momentos de contacto pessoal continuarão a existir, provavelmente dedicados a momentos de grande impacto pessoal e emocional. Mas os laços não vão deixar de se estabelecer, mesmo que com recurso a canais digitais. A sua vulgarização, aliás, poderá levar a que a frequência dos contactos e da criação de laços aumente… Sobre este tópico recomendo vivamente a leitura do interessante artigo da HBR “Onboarding a New Leader — Remotely“;
  6. O paradoxo do distanciamento social – curiosamente, o distanciamento social levou ao reforçar da pertinência das chamadas “soft skills”: trabalhar em equipa, cooperar, partilhar conhecimento, co-criar, tornaram-se não só essenciais como diferenciadoras para o sucesso de qualquer profissional, a partir do momento em que os contextos de trabalho passaram a ser mais ambíguos, variados e inconstantes, requerendo a criação de laços através de processos de comunicação multi-canal. Nunca como hoje a escuta ativa foi tão importante, nunca como hoje a resiliência faz tanta diferença. Nunca a diversidade cognitiva foi tão necessária, bem como a agilidade intelectual. E este é um aparente paradoxo, pois num momento em que, muitas vezes, só podemos contar fisicamente connosco, precisamos cada vez mais uns dos outros… logo, as nossas “skills” de relacionamento interpessoal passam a ser críticas;
  7. A oportunidade perdida do nivelamento de géneros no trabalho – uma das potenciais oportunidades que o confinamento trouxe foi a do nivelamento de géneros no trabalho. Por muito que a legislação evolua, a sociedade evolui muito mais devagar, e isto infelizmente verifica-se no caso da igualdade de género. Por muito valor que as mulheres demonstrem, muitas vezes são penalizadas pela sua necessidade de repartir o seu tempo e disponibilidade entre a carreira profissional e o apoio à família. E por muito “moderna” que a sociedade se proclame, a mudança de comportamentos na dinâmica familiar muda mais devagar do que deveria, em muitos casos. Com o confinamento e o trabalho à distância, seria razoável imaginar que mulheres e homens ficariam em paridade no que toca a disponibilidade. Todavia, isto infelizmente não aconteceu, uma vez que, com as escolas fechadas, os filhos também ficaram confinados no mesmo espaço que os pais. Como dizia uma velha amiga minha, “eu, que tenho 3 filhos, com o Covid passei a ter de cuidar de 4!” (referindo-se ao marido, naturalmente). Enquanto os homens não se libertarem da “síndrome maternal” e enquanto as mulheres não deixarem de ser cúmplices dessa postura, dificilmente se cumprirá esta oportunidade. A paridade tem de começar em casa.

Termino recomendando a leitura de dois artigos muito interessantes, um da HBR chamado “Develop Agility That Outlasts the Pandemic“, e outro da McKinsey chamado “From thinking about the next normal to making it work: What to stop, start, and accelerate“.

Deixo-vos por fim com uma magistral  TED Talk do John Kim sobre resiliência.

Enjoy 😉

 

 

Reflexões, Trends

Imperfeição: um super-poder negligenciado

Imperfection-creative-focus-by-Crafting-ConnectionsVolto a escrever no meu blog com a renovada alegria de quem decidiu que tem de ter tempo para fazer as coisas que gosta e não apenas as coisas que os outros gostariam que fizesse.

Faço-o numa fase da vida abençoada, em que vivo um momento de realização plena, pessoal e profissional, em que cada dia que passa é vivido como uma benção, em que cada momento é apreciado em todo o seu esplendor e cada experiência é vivida como uma aprendizagem única e irrepetível.

Tenho hoje a sorte de liderar uma organização de excelência com uma equipa verdadeiramente formidável, de dar aulas na minha universidade do coração ensinando (e aprendendo) sobre as coisas que me apaixonam, de escrever e dirigir a revista da minha paixão e de ser respeitado pelos meus pares, apreciado pelos meus clientes e alunos e amado pela minha família. E passei a ter tempo para escrever no meu blog, by the way 🙂

Nada disso teria sido no entanto possível se eu tivesse insistido em perseguir o modelo de sucesso convencionado pela sociedade, se eu tivesse permanecido preocupado com cumprir as expectativas alheias ou se quisesse teimar em não assumir as minhas imperfeições. E todavia, é isso que somos socialmente impelidos a fazer, mesmo que de forma subliminar, não consciente e não-forçada.

Muitas vezes passamos a vida a fazer um esforço tremendo para perseguir um ideal de perfeição e felicidade que apenas nos desgasta, consome e nos enche de frustração, esgotando a nossa energia vital até ser tarde demais. Porque ser perfeito (ou parecer perfeito) dá imenso trabalho, claro!

Como diz o inspirador artigo da Harvard Business Review “Expressing Your Vulnerability Makes You Stronger“, assumir a nossa imperfeição, os nossos limites, as nossas vulnerabilidade, acaba por ser a chave para o sucesso. Porquê? Porque atesta a nossa autenticidade, a nossa genuinidade, e permite-nos percorrer a jornada pessoal do auto-conhecimento e do auto-desenvolvimento.

Quando levamos uma vida razoavelmente bem-sucedida por vezes corremos o risco de cair numa espécie de soberba intelectual, fruto de uma auto-estima demasiado bem tratada. Enquanto um percurso de valor nos alimentar a auto-confiança tudo está bem. Mas se nos criar a ilusão da perfeição, tornando-nos alheados das nossas limitações e defeitos, jamais conseguiremos evoluir e manter uma postura de humilde aprendizagem ao longo da vida.

O inverso também pode acontecer, ou seja, negarmos as imperfeições como forma de defesa face às nossa inseguranças. O efeito limitador na nossa performance é o mesmo, mas gerando contextos que encorajam estados potencialmente depressivos (é o efeito da espiral negativa baseada num auto-conceito baixo e envergonhado).

Só quem assume as suas imperfeições pode ter um locus de controle interno forte e que lhe permita desenvolver um pensamento olímpico, que leve a uma permanente auto-crítica construtiva que nos faça crescer como seres humanos e como profissionais.

A minha vida como empresário foi feita de sucessos e falhanços, como tive oportunidade de relatar há algum tempo numa memorável FuckUp Night em que participei. Nunca tive medo de falar dos fracassos ou dos momentos de vulnerabilidade que vivi, e sempre que a tentação da vergonha pairou por perto, teimei em recordar que o mais bem sucedido banqueiro português à escala mundial teve um esgotamento e não deixou de assumir isso publicamente, tornando-o num executivo ainda melhor, mais completo, mais genuíno e mais humano. Porque ser humano é ser imperfeito. Porque ser imperfeito é o que nos leva a procurar a perfeição, a procurar ser cada vez melhores, sabendo que o ideal é isso mesmo, apenas um ideal.

Tenho hoje a sorte de liderar uma organização e uma equipa fantástica, a convite de uma das mais admiráveis mulheres empreendedoras com quem tive o privilégio de me cruzar. Nunca esquecerei que o convite para o fazer foi feito à mesa de um restaurante, depois de mais de duas horas de conversa vadia, onde dois antigos colegas de curso colocaram 24 anos de conversa em dia, a 7000 kms de casa. Ao longo dessa conversa não escondi um único dos meus fracassos, ou melhor uma única das adversidades que tive de superar.

E quero acreditar que uma das razões que levou a que o convite para estar onde estou fosse feito, tem precisamente a ver com isso: eu ter mostrado quem era, sem medo, com orgulho do meu trajeto, seja nos momentos bons seja nos momentos maus.

Deixo-vos com um vídeo da fantástica Brené Brown, que nos fala precisamente sobre o poder da vulnerabilidade.

Enjoy it 😉

Desafios, Trends

Porque estamos no Natal: seja um Padrinho de Portugal

O Natal presta-se a gestos. Os gestos definem-nos.

Estamos em plena época natalícia, época de partilha e generosidade, época de solidariedade e amor, época de gestos de dádiva. Estes gestos, que nesta época são acima de tudo simbólicos, não têm necessariamente de permanecer na esfera do simbolismo e na natureza do efémero. Podem-se tornar gestos permanentes, e como tal, passam a ser actos que nos definem enquanto seres humanos.

Se considerarmos que se aproxima o novo ano e que a época se presta a balanços de vida, resta aliarmos o gesto possível a uma pergunta primordial: de que forma estamos a fazer a diferença neste mundo? de que forma queremos um dia ser recordados?

Por isso mesmo lanço a todos o desafio: tornem-se um dos Padrinhos de Portugal e façam a diferença. De facto. De forma palpável. Foi o que eu fiz há alguns anos atrás, inspirado por um dos meus grandes amigos e mentores, o João Paulo.

Padrinhos de Portugal: um projecto que toca na vida dos outros

Como contei, foi o João Paulo que me apresentou o projecto. Ele já era padrinho há vários anos e explicou-me como era simples fazer a diferença:

Com 40 euros mensais podes pagar as despesas de saúde, uma refeição diária, livros, cadernos, lápis, canetas, matrícula, propinas e farda, a uma criança de Moçambique que dificilmente o poderá fazer sem a tua dádiva.

Simples, não? 40 euros por mês pode parecer muito, mas sejamos honestos… quanto gastamos numa ida ao cinema com os miúdos ou num jantar num restaurante de Lisboa ou do Porto? É incrível o que esta pequena contribuição pode fazer por um destes miúdos, que não faz ideia do que é ir ao cinema ou comer num restaurante. O que estamos a fazer com esta pequena contribuição é muito simples: é dar um futuro a cada uma destas crianças. Um futuro que de outra maneira nem sonhariam ter.

Estamos a falar de uma simples transferência bancária, que pode (e deve) ser complementada por coisas simples como uma carta ao afilhado de vez em quando, uma prenda no Natal ou uma ajuda pontual se necessário.

Há uns meses o meu afilhado – o Tonito – escreveu-me uma carta onde pedia ajuda porque lhe chovia em casa. Pedia que eu mandasse umas estacas e umas telhas. Como não podia mandar isso pelo correio, falei com a Catarina Serra Lopes, a “mãe” do projecto e perguntei-lhe como poderia fazer para ajudar. A solução mais simples era fazer uma transferência bancária para comprar os materiais de construção. Quando perguntei quanto seria necessário, a resposta que me chegou por mail foi… 50 euros! Transferi mais do que isso e pedi que, com o dinheiro que sobrasse, comprassem uma prenda ao meu afilhado. Meses mais tarde recebi a sua carta a agradecer e a emoção (confesso) foi mais que muita. Porque vale a pena fazer (mesmo) a diferença. Não pelo protagonismo, não pela espectacularidade, não pelo apaziguar de consciência, mas sim porque de facto a maior recompensa está na dádiva.

50 euros para reparar uma casa. 40 euros por mês para garantir um futuro a uma criança em Moçambique… pois é… quando reflectimos nisto, devemos ficar gratos com a sorte que temos… e retribuir.

A associação, nascida em 2002, continua a aceitar padrinhos (a causa precisa) e pode ser contactada pelo seu blog – http://padrinhosdeportugal.blogs.sapo.pt -, pela página de Facebook – https://www.facebook.com/Padrinhos-de-Portugal-110746255704848/ -, ou pela página da Catarina – http://pelomundo.pt/ja-ouviram-falar-padrinhos-portugal/ -, que tem sido a grande força motriz deste projecto, com ajuda de todos os padrinhos.

Confesso que, ao contrário do João Paulo, eu sou um pouco mais “baldas” neste papel. O João Paulo troca regularmente correspondência com o seu afilhado. Eu tenho sido descuidado. Por isso vou já a seguir escrever a minha carta de natal para o Tonito… antes que seja Ano Novo 😉

Deixo-vos um vídeo sobre o projecto, e ainda uma entrevista que eu dei recentemente num programa do Fernando Alvim, e onde falo dos Padrinhos. Enjoy 😉

 

 

Trends

A busca de propósito num mercado de agentes livres

A revolução dos agentes livres

O mundo está a mudar, a uma velocidade vertiginosa, fruto da aceleração que a revolução digital potenciou. Isso verifica-se em todas as dimensões da vida, mas nota-se de forma muito particular no mundo do trabalho. Uma das mais significativas mudanças passa pela transformação das relações de trabalho, que, à medida que os profissionais e as tecnologias se sofisticam, se tornam mais equilibradas do ponto de vista negocial.

A típica relação de subordinação entre empregado e empregador tende a esbater-se, evoluindo em muitos casos para uma relação de contratualização de performance, muitas vezes traduzida verdadeiramente num contrato de prestação de serviços, quantas vezes sem cláusula de exclusividade. Assistimos assim ao primado da liberdade dos agentes livres, que tendem a assumir as posições de maior destaque e valor nas organizações. Aquilo que o estudo da Toptal  chama de “external talent”.

A fome de propósito

Este tipo de talento, mais aberto ao mundo, com enorme mobilidade e empregabilidade, é extremamente difícil de reter nas organizações. Muitas vezes tenho dito que este é um tipo de talento que, temos de assumir de uma vez por todas, colabora com as organizações em missões temporárias e não definitivas, onde o significado da missão em si é tão ou mais importante que os outros tipos de recompensas proporcionadas em troca de um trabalho de elevadíssimo nível e qualidade.

Esta “fome de propósito”, típica da condição humana e tão consciencializada pela geração Y, tornou-se assim um driver motivacional essencial para a retenção do talento. De tal forma este tema é crítico, que as organizações procuram hoje criar “meaningful jobs” para os seus freelancers, como refere o artigo online da Harvard Business Review – “Make Work Meaningful for Your Freelancers, Too“. Neste artigo, destacam-se as diversas facetas da criação de um trabalho com propósito:

  • Progresso – os trabalhos com propósito perseguem metas evolutivas, em que o sentido de progresso é alimentado por feedback permanente, a ferramenta essencial do desenvolvimento profissional;
  • Autonomia – os trabalhos com propósito são desenvolvidos por profissionais que têm autonomia, flexibilidade e espaço para a criatividade e o pensamento crítico;
  • Equilíbrio – entre as diversas realizações profissionais, o lazer, o bem-estar e o fun;
  • Serviço – como um aluno meu ainda ontem me relembrava apaixonadamente, um trabalho com propósito é tão mais mobilizador quanto mais tangível seja a sua contribuição para fazer a diferença, para criar um mundo melhor;
  • Variedade – o caráter eclético do trabalho, a variedade de experiências, de desafios e de aprendizagens, é essencial para tirar as pessoas da sua zona de conforto e promover um sentido de progresso com forte atribuição de significado e valor;
  • Afiliação – o sentido de pertença a uma comunidade, a uma equipa que está unida por um objetivo comum é mais uma vez um forte atribuidor de significado aos contextos profissionais, bem como um potenciador da co-criação, da aprendizagem partilhada e, por fim, um possível mitigador do stress ocupacional.

Criar este tipo de “meaningful jobs”  e ajudar as pessoas a encontrar o seu “trabalho de paixão” deviam ser duas das nossas principais missões…

Deixo-vos com uma palestra minha sobre as novas tendências no mundo do trabalho, que dei há algum tempo atrás e que nos ajuda a perceber o grau de desafio que hoje a mudança nos coloca. Enjoy 🙂

 

Reflexões

As marcas que mudam a nossa vida

A nossa vida é feita de marcos que deixam marca

Escrevo este post a partir da minha já velha cúmplice Luanda, onde vou dar aulas de Liderança, depois de ter estado ontem no Porto num evento sobre gamificação, tema que acompanho profissional e academicamente. Assim que aterrar de volta estarei a preparar a minha ida para Londres, para um evento de um parceiro de negócios, sendo que nos intervalos desta correria tenho de deixar prontos mais uns quantos negócios para serem fechados.

Para alguns isto seria um castigo ou um calvário, mas para mim é uma alegria. Não porque acredite que a felicidade se faz só do trabalho, mas porque tive a felicidade de atingir um estádio em que só faço aquilo que gosto.

Sempre me irritou o termo “work-life balance”. Não porque não acredite ou defenda o conceito de equilíbrio, mas porque esse equilíbrio é feito entre as diversas dimensões da vida, uma das quais é o trabalho. Logo, o termo é estúpido (equilíbrio entre trabalho e vida), pois que eu saiba eu não estou a falecer enquanto estou a trabalhar!

Acredito plenamente que não serei um bom pai para os meus filhos se não for também um profissional realizado. E o inverso também é verdadeiro. Nós realizamo-nos enquanto seres integrais e plenos, quando deixamos a nossa marca no mundo ao nível pessoal, profissional e até espiritual. Uma marca exclusivamente profissional é uma marca relevante, seguramente, mas mais pobre. No limite, o que devemos perguntar periodicamente a nós mesmos é como queremos um dia ser recordados. E eu não quero ser recordado apenas por ser um bom professor ou por ter sido um executivo bem sucedido. Quero ser recordado por ter sido um bom pai, um bom cidadão, um bom amigo. Em qual destas dimensões o desafio é maior é que já é uma questão mais difícil 😉

Mas para além de querermos deixar a nossa marca no mundo, a verdade é que também a nossa vida é feita de marcos que deixam marca, ou seja, o efeito que outros deixaram em nós.

As personagens da nossa vida

Para ilustrar o efeito telúrico das marcas que outros podem deixar em nós, costumo contar uma história verídica, que aqui replico.

Algures no passado, numa entrevista extremamente importante para uma oportunidade profissional de sonho, um dos entrevistadores perguntou-me: “o que o levou a tirar um PhD se não é um académico de carreira?”… perante esta pergunta, sorri e dei uma resposta que os deixou surpreendidos: “foi por causa da minha mãe”. Naturalmente que depois tive de explicar… A minha mãe era a segunda de três filhos no seio de uma família modesta da Lisboa típica dos anos 30, à beira do rebentar da II Guerra Mundial. Numa família portuguesa da época com poucos recursos, não havia hipótese de todos os filhos seguirem os estudos para lá da escola primária. O meu avô, com a sabedoria possivel à época, seguiu um critério muito comum na altura, que hoje seria considerado uma barbaridade: “tendo eu 2 filhas e 1 filho, vou dar a oportunidade de estudar ao rapaz.”… Ora bem, o sonho da minha mãe era ser advogada, e tanto quanto sei sobre o seu potencial intelectual, ela teria dado uma jurista fabulosa. Mas teve o azar de nascer numa época em que um critério sexista e nada esclarecido lhe tirou a oportunidade de ter tido uma carreira completamente diferente. Ironicamente, o meu tio que teve a oportunidade de estudar não passou do 1º ano do ciclo e foi empregado de mesa a vida toda. A minha mãe não pôde ter mais do que a 4ª classe e chegou a chefe de departamento numa empresa privada, numa actividade profissional que hoje já não existe (dactilografia). Mas podia ter sido uma brilhante advogada… Por isso, explico eu em conclusão, desta história eu tirei uma grande lição que me orientou para o resto da vida: as oportunidades têm de ser agarradas com unhas e dentes, pois nunca sabemos se e quando voltarão a surgir. As oportunidades são uma benção que devemos agradecer retribuindo com trabalho, dedicação, ambição e profissionalismo, no fundo o legado que a minha mãe me deixou, e que eu tento honrar todos os dias. Foi por isso que eu dediquei o meu PhD a ela, apesar de ela já não ter podido apreciar a sua conclusão plenamente.

E esta é uma das histórias que marcará a minha vida para sempre.

Há pessoas que viverão sempre dentro de nós

Como eu costumo ensinar aos meus alunos, nos momentos importantes da nossa vida há sempre alguém que esteve lá, seja para nos ensinar algo, seja para acreditar em nós e nos apoiar, seja para nos dar uma oportunidade. Essas são pessoas que passam a fazer parte do nosso património pessoal, e que prevalecem para lá da sua própria passagem por este mundo.

A minha mãe foi uma delas.

Apesar da sua modesta educação formal, o seu exemplo deixou em mim enormes marcas e moldou aquilo que eu hoje sou.

Foi com ela que aprendi o valor do trabalho e da excelência. Foi com ela que aprendi que a liderança envolve proximidade mas também distância. Foi com ela que aprendi que para sermos seguidos temos de ser respeitados, o que implica respeitar os outros, darmo-nos ao respeito e sermos irrepreensíveis no exemplo que damos.

Se foi com meu pai que aprendi o valor da justiça e ganhei o gosto pelos livros e pela leitura, foi com a minha mãe que aprendi o valor de escutar os outros e ganhei o gosto pela escrita (ainda hoje guardo a máquina de escrever onde ela trabalhava à noite em casa e onde eu escrevi as minhas primeiras linhas de prosa).

Como eu gostava de ser capaz de educar os meus filhos como ela nos educou a nós! Por muito mal que nos comportássemos ela nunca perdia a calma e fazia questão de resolver sempre tudo a conversar connosco. Mesmo quando eu era um catraio de dez anos incorrigível e endiabrado que não queria escutar, ela enchia-se de paciência e falava comigo, com uma calma que eu apenas ambiciono um dia ter, mas da qual ainda estou tão longe…

Ela foi sempre um pilar da família, seja pelo afecto que distribuía, seja pelo respeito que instilava. Quando a minha avó morreu, foi ela que assumiu a responsabilidade de manter a família unida em torno de velhos hábitos, como o nosso jantar de fim de semana que, religiosamente, reunia dezenas de familiares. Caramba, como tenho saudades desses tempos…

Fazes-me falta, mãe. Mas viverás sempre dentro de nós. E nunca na vida deixarei de aproveitar uma oportunidade. Em tua homenagem e pelas oportunidades que não pudeste aproveitar.

Dedico este texto aos meus filhos. Espero estar à altura do legado que ela nos deixou a todos nós e que gostava muito de lhes passar.

Abraços desta quente Luanda…

Livre-arbítrio, Reflexões

Nós somos as pessoas que escolhemos

Estamos sempre a aprender com a vida


Dou por mim a escrever este post num quente final de noite em Évora, ao som de bom jazz e música brasileira, na véspera de uma aula de Liderança dada no Master in Finance da Católica Lisbon, depois de um dia de trabalho passado no Alentejo a trabalhar para um dos meus clientes preferidos.

É curioso como pouco antes da meia-noite ainda me sinto com energia para escrever. Talvez porque a escrita, à semelhança do acto de ensinar, me acalma, me realiza, me regenera. É pois uma das minhas ferramentas de resiliência, que me devolvem um senso de propósito e sentido neste mundo louco, emocionante e veloz que vivemos hoje.

Na verdade, ando para escrever este post há meses, mas a perda da minha mãe levou a que o atrasasse significativamente. Foi maturando, qual um bom vinho, num Moleskine que me acompanha sempre, onde escrevo notas soltas a carvão sobre ideias e onde intercalo alguns esboços e cartoons que me vai dando para fazer. Mais uma ferramenta de restituição de sanidade 😉

Este post dá continuação ao meu post “Nós somos o caminho que fazemos“, onde defendia que o livre-arbítrio pode conviver com a transcendência, por via atribuição de significado. Usei a Teoria do Gato de Schrodinger e a Teoria do Caos e o Efeito Borboleta para o explicar. Mas o que faltou dizer nesse post é que a realidade, como sempre, demonstra ser um pouco mais complexa que qualquer modelo teórico.

O que aprendi neste período de regeneração pessoal, que foi feito de muitas realizações, mas também de desilusões profundas, é que nós somos o produto do que nós decidimos ser com os outros que nos calham em sorte. Confusos? Passo a explicar.

A premissa por detrás desta reflexão foi a constatação de que nós somos o produto das nossas co-criações. Sim, porque o ser humano tipicamente co-cria, uma vez que é um ser social. Por isso mesmo, aquilo que somos e aquilo que fazemos é sempre produto daquilo que decidimos fazer com as interacções que vamos tendo com os outros seres humanos com que nos cruzamos nas nossas vidas.

Por isso os nossos pais sempre insistiram naquela máxima de termos “cuidado com as companhias”. É absolutamente verdade, uma vez que aquilo que somos e fazemos é permanentemente afectado e transformado pelos outros de que nos rodeamos, por aquilo que fazemos com eles, pelos significados comuns que atribuímos a acontecimentos e realizações, pela troca de ideias and so on and so on and so on….

Logo, a interacção com os outros é transformadora da nossa performance e do nosso ser, tal como é transformadora da performance alheia e do ser alheio. Este é verdadeiramente o poder do ser humano. O poder da co-criação.

Nesta dinâmica, um dos segredos para termos sucesso (e o que significa sucesso ficará para outro post) é escolhermos bem com quem interagimos. Há pessoas que nos sugam a energia e nos empurram para baixo e há pessoas que nos enchem de energia e nos empurram para cima. E por muito que queiramos ser simpáticos com toda a gente não podemos interagir da mesma forma com pessoas diferentes.

A nossa jornada é demasiado importante para que não conheçamos bem os tipos de caminhantes com que podemos estar a fazê-las. Por isso dei por mim a classificar as pessoas com quem me cruzo em 4 tipos diferentes.

Os 4 Walker Types

Após alguns anos de reflexão e crítica retrospectiva, dei por mim a encontrar tipicamente 4 tipos de pessoas com quem me cruzei. O racional de caracterização das diversas tipologias passa pela sua predisposição para a dádiva e pela sua propensão para a dependência.

Comecemos pelos Transeuntes.

Este tipo de pessoa tende a cruzar-se connosco de forma superficial e pouco significativa. Faz parte do grupo de “conhecidos”, com quem convivemos pontualmente em algumas ocasiões sociais, mas com os quais não tivemos interacções impactantes, seja ao nível das comunalidades seja ao nível das diferenças ou das complementaridades. Tendem a ser quase “invisíveis” para nós, sendo até difícil às vezes recordar os seus nomes, o que não significa sequer que antipatizemos com eles. Significa apenas que não nos captaram a atenção lorque não nos pediram nada de especial mas também não nos deram nada de importante. São neutros, portanto. Com os mesmos há que polidamente gastar o mínimo de tempo possível ou tentar descobrir se algum pode evoluir para outro tipo de tipologia.

Passemos aos Dependentes.

Os dependentes são pessoas que nos pedem ajuda e em parte se definem pela ajuda que vão obtendo dos outros. Os actos de co-criação são assim desequilibrados, pois não são baseados numa interacção mutuamente proveitosa, mas sim num conjunto de interacções que revelam dependência, ou seja, muito para pedir e nada ou muito pouco para dar.
Muitas vezes damos por nós a querer ajudar um dependente de forma generosa e desinteressada e constatamos que passámos a ficar afogados em pedidos, solicitações, vendo o nosso tempo a ser consumido por alguém que nos puxa cada vez mais para baixo com a sua dependência e que não nos faz crescer, não nos ensina nada, e muitas vezes nem agradece. É uma troca de soma negativa, na prática. Com estes há que ser firme e libertar-nos da relação de dependência, pois são os nossos sugadores de energia por excelência. Há que ter particular cuidado, pois muitas vezes surgem-nos como “falsos transacionais” (tipologia seguinte).
Vejamos agora os Transacionais.

Os transacionais são co-criadores equilibrados por excelência. Estabelecem connosco uma relação nutritiva, ou seja, tanto nos dão aprendizagens, colaboração, amizade, tempo, conselhos, confidências, sugestões, ideias, ajuda (e tantas outras coisas), como nos pedem naturalmente que façamos o mesmo por eles.

A troca (ou transacção) surge como natural, não imposta, espontânea, feita com base no princípio da reciprocidade. É neste tipo de tipologia que encontramos verdadeiros amigos, que nos ajudam desinteressadamente, o que não significa que não tenhamos o dever de fazer o mesmo por eles. Mas esse dever não custa, porque não há melhor recompensa do que a dádiva 😉

Devemos rodear-nos deste tipo de walkers o mais possível, pois é com eles que a jornada é proveitosa. E será ainda mais se de vez em quando tivermos a sorte de nos cruzar com o último tipo de walker…

Concluamos então com os Generativos.

Os generativos são walkers mais raros, mas muito valiosos e relevantes na nossa vida.

Tendem a ser pessoas mais maduras e sábias que nós, que de forma natural nos dão o muito que têm para dar (ensinamentos, conhecimento, conselho, compreensão, exigência, e muitas outras coisas), mas de uma forma generativa, ou seja, como uma espécie de dádiva que é suficientemente recompensadora se se limitar a ser apreciada e aproveitada por nós. Estas pessoas não tendem a pedir-nos nada em troca pura e simplesmente porque, na maioria dos casos, não precisam.

Surgem na nossa vida como mentores, professores, conselheiros, líderes ou “older buddies”, cuja companhia e amizade devemos cultivar, sem cair no erro de nos tornarmos dependentes.

E vós, sabem com que tipo de walkers têm feito a vossa caminhada?

Deixo-vos com um vídeo sobre o poder da dádiva. Enjoy 😉

Reflexões, Talento, Trends

Portugal (sempre) vale(u) a pena

Porque estamos todos contentes

Classic-portugal-1Não resisti a escrever este post depois de ler o post da minha amiga Rita no Facebook. A Rita teve a gentileza de me aceitar como amigo no Facebook apesar de só me aturar em contexto profissional. Esse gesto generoso foi uma benção para mim, que tive oportunidade de conhecer uma pessoa cujas facetas como ser humano são francamente inspiradoras e surpreendentes. Por isso mesmo, obrigado Rita 🙂

Ora o que é que Rita publicou que me motivou tanto a escrever? Bem a Rita soube colocar em belas palavras aquilo que nos vai na alma enquanto portugueses: um sentimento de grande orgulho e alegria por pertencermos a esta pequena-grande Nação, onde conseguimos feitos assinaláveis apesar das circunstâncias de partida serem desfavoráveis.

No caso dela em particular, o motivo de orgulho e satisfação era pleno, pois ela (tal como eu) torce pelo Glorioso e por isso teve razões para comemorar no sentido desportivo, para além do artístico e do transcendental.

Não resisto a citá-la, nas suas inspiradas e tocantes palavras:

“Parece que tomámos consciência de que o nosso país e os portugueses são fantásticos, mas a verdade é que a mudança começa em cada um de nós. Que ser autêntico num mundo de cópias vale ouro; que ter um coração grande onde cabe sempre mais um não é sinal de fraqueza, mas de grandeza. Percebemos que, permanecer humilde quando a arrogância se torna uma pandemia é ter nobreza de espírito e não pequenez.”

Estamos assim todos contentes, mas pelos motivos certos, quero acreditar.

Porque Portugal sempre valeu a pena

Apesar da nossa tendência para o pessimismo e para o fado, produto de uma pesada herança cultural (ver meu artigo), a verdade é que sempre tivemos, enquanto Nação, uma enorme capacidade de vencer a adversidade e de reinventar as nossas alavancas de prosperidade.

Sempre procurei neste blog destacar precisamente esse lado positivo de Portugal (ver posts anteriores) que estou convicto que assenta precisamente nos nossos activos intelectuais, na nossa capacidade de fazer fluir conhecimento entre nós, aceitando a diversidade, a diferença e a singularidade de todos aqueles que possam ter valor, de alguma forma.

Por isso sinto que este nosso país continua a ser um porto seguro para todos aqueles que queiram desenvolver os seus talentos, e sinto-o todos os dias, seja na multinacional onde trabalho, seja na universidade onde ensino, seja nas muitas outras coisas que faço. Essa aceitação da diferença, que é um exercício misto de humildade e sabedoria, é hoje algo que tanta falta faz num mundo onde proliferam as certezas indiscutíveis e as intolerâncias máximas, o fundamentalismo e a violência.

Por isso o significado simbólico deste fim-de-semana, onde no mesmo país pudemos celebrar essa homenagem ao amor pelo próximo e ao respeito pela diferença, com a visita do Papa Francisco, onde pudemos celebrar uma vitória desportiva conseguida com trabalho, determinação, humildade e elegância (nunca devemos baixar o nível ou descer a fasquia) e por fim onde pudemos viver uma vitória da criatividade, simplicidade e genuinidade (mas sempre, sempre, com substância e significado).

Por isso sim, Portugal é um país que sempre valeu a pena 😉

Deixo-vos com uma espectacular análise de Joana Capucho no DN Online sobre a portugalidade, uma excelente notícia sobre a nossa economia dada pelo Observador, ainda com um interessante vídeo sobre o nosso país visto pelos olhos de turistas. Enjoy 😉